terça-feira, 12 de agosto de 2008

O amor retratado no cordel

O ROMANCE DO PAVÃO MISTERIOSO

Eu vou contar uma história

De um pavão misterioso

Que levantou vôo na Grécia

Com um rapaz corajoso

Raptando uma condessa

Filha de um conde orgulhoso.


Residia na Turquia

Um viúvo capitalista

Pai de dois filhos solteiros

O mais velho João Batista

Então o filho mais novo

Se chamava Evangelista.


O velho turco era dono

Duma fábrica de tecidos

Com largas propriedades

Dinheiro e bens possuídos

Deu de herança a seus filhos

Porque eram bem unidos.



Depois que o velho morreu


Fizeram combinação


Porque o tal João Batista


Concordou com o seu irmão


E foram negociar


Na mais perfeita união.



Um dia João Batista


Pensou pela vaidade


E disse a Evangelista:


— Meu mano eu tenho vontadede


visitar o estrangeiro


se não te deixar saudade.



— Olha que nossa riqueza


se acha muito aumentada


e dessa nossa fortuna


ainda não gozei nada


portanto convém qu'eu passe


um ano em terra afastada.



Movido a motor elétrico


Depósito de gasolina


Com locomoção macia


Que não fazia buzina


A obra mais importante


Que fez em sua oficina.



Tinha cauda como leque


As asas como pavão


Pescoço, cabeça e bico


Lavanca, chave e botão


Voava igualmente ao vento


Para qualquer direção.


Quando Edmundo findou


Disse a Evangelista:


— Sua obra está perfeita


ficou com bonita vista


o senhor tem que saber


que Edmundo é artista.



— Eu fiz o aeroplano


da forma de um pavão


que arma e se desarma


comprimindo em um botão


e carrega doze arroba


três léguas acima do chão.



Foram experimentar


Se tinha jeito o pavão


Abriram a lavanca e chave


Encarcaram num botão


O monstro girou suspenso


Maneiro como balão.



O pavão de asas abertas


Partiu com velocidade


Coroando todo o espaço


Muito acima da cidade


Como era meia noite


Voaram mesmo à vontade.




Então disse o engenheiro:


— Já provei minha invenção


fizemos a experiência


tome conta do pavão


agora o senhor me paga


sem promover discussão.




Perguntou Evangelista:


— Quanto custa o seu invento?


— Dê me cem contos de réis


acha caro o pagamento


o rapaz lhe respondeu:


Acho pouco dou duzentos.



Edmundo ainda deu-lhe


Mais uma serra azougada


Que serrava caibro e ripa


E não fazia zuada


Tinha os dentes igual navalha


De lâmina bem afiada.



Então disse o jovem turco:


— Muito obrigado fiquei


do pavão e dos presentes


para lutar me armei


amanhã a meia-noite


com Creuza conversarei.



À meia-noite o pavão


Do muro se levantou


Com as lâmpadas apagadas


Como uma flecha voou


Bem no sobrado do conde


Na cumeeira pousou.



Evangelista em silêncio


Cinco telhas arredou


Um buraco de dois palmos


Caibros e ripas serrou


E pendurado numa corda


Por ela escorregou.



Chegou no quarto de Creuza


Onde a donzela dormia


Debaixo do cortinado


Feito de seda amarela


E ele para acordá-la


Pôs a mão na testa dela.



A donzela estremeceu


Acordou no mesmo instante


E viu um rapaz estranho


De rosto muito elegante


Que sorria para ela


Com um olhar fascinante.



Então Creuza deu um grito:


— Papai um desconhecido


entrou aqui no meu quarto


sujeito muito atrevido


venha depressa papai


pode ser algum bandido.



O rapaz lhe disse:


— Moça


Entre nós não há perigo


Estou pronto a defendê-la


Como um verdadeiro amigo


Venho é saber da senhora


Se quer casar-se comigo.



De um lenço enigmático


Que quando Creuza gritava


Chamando o pai dela


Então o moço passava


Ele no nariz da moça


Com isso ela desmaiava.



O jovem puxou o lenço


Ao nariz da moça encostou


Deu uma vertigem na moça


De repente desmaiou


E ele subiu na corda


Chegando em cima tirou.



Ajeitou os caibros e ripas


E consertou o telhado


E montando em seu pavão


Voou bastante vexado


Foi esconder o aparelho


Aonde foi fabricado.



O conde acordou aflito


Quando ouviu essa zuada


Entrou no quarto da filha


Desembainhou a espada


Encontrou-a sem sentido


Dez minutos desmaiada.



Percorreu todos os cantos


Com a espada na mão


Berrando e soltando pragas


Colérico como um leãoDizendo:


— Aonde encontrá-lo


Eu mato esse ladrão.



Creuza disse:


— Meu pai


Pois eu vi neste momento


Um jovem rico e elegante


Me falando em casamento


Não vi quando ele encantou-se


Porque me deu um passamento.


Disse o conde:


— Nesse caso


Tu já estás a sonhar


Moça de dezoito anos


Já pensando em se casar


Se aparecer casamento


Eu saberei desmanchar.



Evangelista voltou


Às duas da madrugada


Assentou seu pavão


Sem que fizesse zuada


Desceu pela mesma trilha


Na corda dependurada.



E Creuza estava deitada


Dormindo o sono inocente


Seus cabelos como um véu


Que enfeitava puramente


Como um anjo de terreal


Que tem lábios sorridentes.



O rapaz muito sutil


Foi pegando na mão dela


Então a moça assustou-se


Ele garantiu a ela


Que não eram malfazejos:


— Não tenha medo donzela.


A moça interrogou-o


Disse: — Quem é o senhor


Diz ele: — Sou estrangeiro


Lhe consagrei grande amor


Se não fores minha esposa


A vida não tem valor.



Mas Creuza achou impossível


O moço entrar no sobrado


Então perguntou a ele


De que jeito tinha entrado


E disse: — Vai me dizendo


Se és vivo ou encantado.



Como eu lhe tenho amizade


Me arrisco fora de hora


Moça não me negue o sim


A quem tanto lhe adora!


Creuza aí gritou: — Papai


Venha ver o homem agora.



Ele passou-lhe o lenço


Ela caiu sem sentido


Então subiu na corda


Por onde tinha descido


Chegou em cima e disse:


— O conde será vencido.



Ouviu-se tocar a corneta


E o brado da sentinela


O conde se dirigiu


Para o quarto da donzela


Viu a filha desmaiada


Não pode falar com ela.



Até que a moça tornou


Disse o conde: — É um caso sério


Sou um fidalgo tão rico


Atentado em meu critério


Mas nós vamos descobrir


O autor do mistério.



— Minha filha, eu já pensei


em um plano bem sagaz


passa essa banha amarela


na cabeça desse audaz


só assim descobriremos


esse anjo ou satanás.



— Só sendo uma visão


que entra neste sobrado


só chega à meia-noite


entra e sai sem ser notado


se é gente desse mundo


usa feitiço encantado.



Evangelista também


Desarmou seu pavão


A cauda, a capota, o bico


Diminuiu a armação


Escondeu o seu motor


Em um pequeno caixão.



Depois de sessenta dias


Alta noite em nevoeiro


Evangelista chegou


No seu pavão bem maneiro


Desceu no quarto da moça


A seu modo traiçoeiro.



Já era a terceira vez


Que Evangelista entrava


No quarto que a condessa


À noite se agasalhava


Pela força do amor


O rapaz se arriscava.



Com um pouco a moça acordou


Foi logo dizendo assim:


— Tu tens dito que me amas


com um bem-querer sem fim


se me amas com respeito


te senta juntos de mim.



Evangelista sentou-se


Pôs-se a conversar com ela


Trocando o riso esperava


A resposta da donzela


Ela pôs-lhe a mão na testa


Passou a banha amarela.



Depois Creuza levantou-se


Com vontade de gritar


O rapaz tocou-lhe o lenço


Sentiu ela desmaiar


Deixou-a com uma síncope


Tratou de se retirar.



E logo Evangelista


Voando da cumeeira


Foi esconder seu pavão


Nas folhas de uma palmeira


Disse: — Na quarta viagem


Levo essa estrangeira.



Creuza então passou o resto


Da noite mal sossegada


Acordou pela manhã


Meditava e cismadaS


e o pai não perguntasse


Ela não dizia nada.



Disse o conde: — Minha filha


Parece que estás doente?


Sofreste algum acesso


Porque teu olhar não mente


O tal rapaz encantado


Te apareceu certamente.



E Creuza disse: — Papai


Eu cumpri o seu mandado


O rapaz apareceu-me


Mas achei-o delicado


Passei-lhe a banha amarela


E ele saiu marcado.



O conde disse aos soldados


Que a cidade patrulhassem


Tomassem os chapéus de


Quem nas ruas encontrassem


Um de cabelo amarelo


Ou rico ou pobre pegassem.



Evangelista trajou-se


Com roupa de alugado


Encontrou-se com a patrulha


O seu chapéu foi tirado


Viram o cabelo amarelo


Gritaram: — Esteja intimado!



Os soldados lhe disseram:


— Cidadão não estremeça


está preso a ordem do conde


e é bom que não se cresça


vai a presença do conde


se é homem não esmoreça.



— Você hoje vai provar


por sua vida responde


como é que tem falado


com a filha do nosso conde


quando ela lhe procura


onde é que se esconde.



Evangelista respondeu:


— Também me faça um favor


enquanto vou me vestir


minha roupa superior


na classe de homem rico


ninguém pisa meu valor.



Disseram: — Pode mudar


Sua roupa de nobreza


A moça bem que dizia


Que o rapaz tinha riqueza


Vamos ganhar umas luvas


E o conde uma surpresa.



Seguiu logo Evangelista


Conversando com o guarda


Até que se aproximaram


Duma palmeira copada


Então disse Evangelista:


— Minha roupa está trepada.



E os soldados olharam


Em cima tinha um caixão


Mandaram ele subir


E ficaram de prontidão


Pegaram a conversar


Prestando pouca atenção.



Evangelista subiu


Pôs um dedo no botão


Seu monstro de alumínio


Ergueu logo a armação


Dali foi se levantando


Seguiu voando o pavão.



E os soldados gritaram:


— Amigo, o senhor se desça


deixe de tanta demora


é bom que não aborreça


senão com pouco uma bala


visita sua cabeça.



Então mandaram subir


Um soldado de coragem


Disseram: — Pegue na perna


Arraste com a folhagem


Está passando na hora


De voltarmos da viagem.



Quando o soldado subiu


Gritou: — Perdemos a ação


Fugiu o moço voando


De longe vejo um pavão


Zombou de nossa patrulha


Aquele moço é o cão.



Voltaram e disseram ao conde


Que o rapaz tinham encontrado


Mas no olho de uma palmeira


O moço tinha voado


Disso o conde: — Pois é o cão


Que com Creuza tem falado.



Creuza sabendo da história


Chorava de arrependida


Por ter marcado o rapaz


Com banha desconhecida


Disse: — Nunca mais terei


Sossego na minha vida.



Disse Creuza: — Ora papai


Me prive da liberdade


Não consente que eu goze


A distração da cidade


Vivo como criminosa


Sem gozar a mocidade.


— Aqui não tenho direito


de falar com um criado


um rapaz para me ver


precisa ser encantado


mas talvez ainda eu fuja


deste maldito sobrado.



— O rapaz que me amou


só queria vê-lo agora


para cair nos seus pés


como uma infeliz que chora


embora que eu depois


morresse na mesma hora.



— Eu sei que para ele


não mereço confiança


quando ele vinha aqui


ainda eu tinha esperança


de sair desta prisão


onde estou desde de criança.



Às quatro da madrugada


Evangelista desceu


Creuza estava acordada


Nunca mais adormeceu


A moça estava chorando


O rapaz lhe apareceu.



O jovem cumprimentou-a


Deu-lhe um aperto de mão


A condessa ajoelhou-se


Para pedir-lhe perdão


Dizendo: — Meu pai mandou


Eu fazer-te uma traição.



O rapaz disse: — Menina


A mim não fizeste mal


Toda a moça é inocente


Tem seu papel virginal


Cerimônia de donzela


É uma coisa natural.



— Todo o seu sonho dourado


é fazer-te minha senhora


se quiseres casar comigo


te arrumas e vamos embora


senão o dia amanhece


e se perde a nossa hora.



— Se o senhor é homem sério


e comigo quer casar


pois tome conta de mim


aqui não quero ficar


se eu falar em casamento


meu pai manda me matar.



— Que importa que ele mande


tropas e navios pelos mares


minha viagem é aérea


meu cavalo anda nos ares


nós vamos sair daqui


casar em outros lugares.



Creuza estava empacotando


O vestido mais elegante


O conde entrou no quarto


E dando um berro vibrante


Gritando: — Filha maldita


Vais morrer com o seu amante.



O conde rangendo os dentes


Avançou com passo extenso


Deu um pontapé na filha


Dizendo: — Eu sou quem venço


Logo no nariz do conde


O rapaz passou o lenço.



Ouviu-se o baque do conde


Porque rolou desmaiado


A última cena do lenço


Deixou-o magnetizado


Disse o moço: -Tem dez minutos


Para sairmos do sobrado.



Creuza disse: — Eu estou pronta


Já podemos ir embora


E subiram pela corda


Até que sairam fora


Se aproximava a alvorada


Pela cortina da aurora.


Com pouco o conde acordou


Viu a corda pendurada


Na coberta do sobrado


Distinguiu uma zuada


E as lâmpadas do aparelho


Mostrando luz variada.



E a gaita do pavão


Tocando uma rouca voz


O monstro de olho de fogo


Projetando os seus faróis


O conde mandando pragas


Disse a moça: — É contra nós.



Os soldados da patrulha


Estavam de prontidão


Um disse: — Vem ver fulano


Aí vai passando um pavão


O monstro fez uma curva


Para tomar direção.



Então dizia um soldado—


Orgulho é uma ilusão


um pai governa uma filha


mas não manda no coração


pois agora a condessinha


vai fugindo no pavão.



O conde olhou para a corda


E o buraco do telhado


Como tinha sido vencido


Pelo rapaz atilado


Adoeceu só de raiva


Morreu por não ser vingado.



Logo que Evangelista


Foi chegando na Turquia


Com a condessa da Grécia


Fidalga da monarquia


Em casa do seu irmão


Casaram no mesmo dia.



Em casa de João Batista


Deu-se grande ajuntamento


Dando vivas ao noivado


Parabéns ao casamento


À noite teve retreta


Com visita e cumprimento.



Enquanto Evangelista


Gozava imensa alegria


Chegava um telegrama


Da Grécia para Turquia


Chamando a condessa urgente


Pelo motivo que havia.


Dizia o telegrama:


"Creuza vem com o teu marido


receber a tua herançao conde é falecido


tua mãe deseja vero genro desconhecido."




A condessa estava lendo


Com o telegrama na mão


Entregou a Evangielista


Que mostrou ao seu irmão


Dizendo: — Vamos voltar


Por uma justa razão.



De manhã quando os noivos


Acabaram de almoçar


E Creuza em traje de noiva


Pronta para viajar


De palma, véu e capela


Pois só vieram casar.



Diziam os convidados:


— A condessa é tão mocinha


e vestida de noiva


torna-se mais bonitinha


está com um buquê de flor


séria como uma rainha.



Os noivos tomaram assento


No pavão de alumínio


E o monstro se levantou-se


Foi ficando pequenino


Continuou o seu vôo


Ao rumo do seu destino.



Na cidade de Atenas


Estava a população


Esperando pela volta


Do aeroplano pavão


Ou o cavalo do espaço


Que imita um avião.



Em casa de Edmundo


Ficou o noivo hospedado


Seu amigo de confiança


Que foi bem recompensado.



E também a mãe de Creuza


Já esperava vexada


A filha mais tarde entrou


Muito bem acompanhada


De braço com o seu noivo


Disse: — Mamãe estou casada.



Disse a velha: — Minha filha


Saíste do cativeiro


Fizeste bem em fugir


E casar no estrangeiro


Tomem conta da herança


Meu genro é meu herdeiro.

autor: João melquiades ferreira da silva

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